domingo, 30 de outubro de 2011

Juiz mostra na prática como fazer justiça

Magistrado consegue o difícil equilíbrio das decisões tendo de um lado o clamor popular e de outro o rigor da Constituição

 
      Se fosse um juiz de futebol, Carlos Alberto Ritzmann, 47 anos, não seria um árbitro caseiro, daqueles que apitam para a torcida. O juiz criminal de Araucária, na região metropolitana de Curitiba, cumpre o que lhe cabe com rigor, sem mais nem menos. Exatamente por isso a Comissão de Defesa dos Direitos Humanos da seção paranaense da Ordem dos Advogados do Brasil rasgou elogios recentemente ao trabalho de Ritzmann, por ele fazer o que todos os magistrados deveriam: cumprir sua obrigação com precisão.
      Ritzmann chamou a atenção da vice-presidente da Comissão, Isabel Kugler Mendes, ao cumprir à risca as visitas às carceragens de cidades por onde passou e agora na delegacia de Araucária. O monitoramento das cadeias é responsabilidade de todo magistrado criminal em comarcas onde não há uma vara de execução penal.
      Essa firmeza de opinião nem sempre combina com todas as dúvidas que antecedem as decisões judiciais: defender a sociedade com base no apelo popular em um caso estarrecedor ou aplicar com rigor a Constituição Federal. Essa questão muitas vezes paira na ponta da caneta de um juiz criminal, que sofre sempre com a pressão de punir um suspeito acusado de graves crimes e com investigações policiais mal concebidas.
      A resposta do juiz de Araucária é simples. Aplicando a Cons­ti­­tuição, o magistrado defende a sociedade. Com ar sereno e uma desenvoltura para falar dos problemas de segurança que assolam o estado, Ritzmann consegue olhar do alto de sua experiência de quem já passou por dez estados brasileiros verificando as cadeias e presídios pelo mutirão carcerário do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
      “A sociedade precisa discutir e descobrir que tipo de preso ela quer que saia das cadeias, porque cedo ou tarde eles vão sair. Queremos um monstro ou alguém que saia pelo menos com condições de se inserir na sociedade?”, pergunta. No Brasil, a pena máxima é de 30 anos. Na avaliação dele, o maior problema da segurança pública do Paraná é a superpopulação carcerária e a falta de ressocialização. “Afinal, o crime organizado acaba comandando de dentro das cadeias também”, lembra.
      Articulado, Ritzmann até já deu sugestões para melhorar a carceragem da cidade. Segundo ele, seria necessária uma unidade com cerca de 90 vagas para atender a demanda local. Ele chegou à marca incomum de dez audiências por dia. Em meio a tantos processos esparramados pela vara e “organizados” por ordem de prioridade, Ritzmann vê a possibilidade de o time da Justiça reverter o placar adverso. “Estou bastante motivado e esperançoso que as coisas melhorem.”

Escolha
      Ritzmann é curitibano e optou pela Justiça criminal porque acredita que faria mais diferença na sociedade. Tomou posse em 1994 e já passou por cidades como Mangueirinha, Arapongas e Ibaiti. Antes de chegar a Araucária, estava no Tribunal do Júri, em Curitiba.
     “No processo penal, é diferente. Se você vê um preso há muito tempo, o juiz não pode ficar inerte aguardando um advogado entrar com um pedido de liberdade. O juiz tem a obrigação de interceder na tentativa de regularizar tudo isso”, afirma, com a qualidade de um magistrado que cumpre quase sempre rigorosamente com o prazo de 90 dias para a primeira audiência do réu preso.

Estado
       O juiz é um crítico ferrenho do sistema carcerário atual. Lembra que atualmente o primeiro a não cumprir a lei é o próprio Estado, quando não dá o direito aos presos de permanecerem reclusos em locais adequados, longe das delegacias. “O Estado nega ao cidadão aquilo que o próprio Estado diz como deve ser. A lei diz ao preso: ‘Se você trabalhar e estudar, tem direito à remissão da pena’. Mas o Estado o mantém na delegacia e lá não dá nem trabalho e muito menos estudo. Retira dele o direito de diminuir a pena”, exemplifica.
     A saída, segundo Ritzmann, é investimento e boa vontade. No Distrito Federal, como afirma o magistrado, os presos ficam em locais adequados e as audiências são realizadas por vídeo-conferência, evitando a entrada e saída dos detentos das cadeias. “Isso não tem no Paraná. Poderia ser assim em todos os estados”. Em Campo Grande, no Mato Grosso do Sul, recorda Ritzmann, há também um sistema interessante. Um dos presídios tem parceria com o Senac que possibilita cursos e trabalho aos detentos.
 

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